- Olha amor, uma coruja, que
bonita!
- Isso é sinal de mau agouro,
cuidado... – o jovem foi irônico, repassando seu conhecimento adquirido com o
tempo, isso era algo que todos repetiam. Sua namorada não recebeu tão bem o
aviso.
- Mas “cuidado” porque? Acho que já
ouvi algo sobre dar azar né? – a moça, aparentava real inocência para com o
assunto.
- Sempre que aparece uma coruja assim
é porque alguém vai morrer nessa área. – Ele quis dar realmente um tom mais
assustador ao que dizia. Mas teve como resposta um sorriso e uma exclamação que
logo encerrou a conversa:
– Mas sempre alguém morre, de
alguma coisa, com ou sem corujas!
Ele a apertou um pouco mais com o
braço que envolvia sua cintura, e com um sorriso de confirmação a beijou. Continuaram a caminhada apressando o passo para atravessar a rua.
- Idiotas! – o velho mendigo sentado falou alto, com certa raiva na voz. – Não ligue pra eles minha amiga! –
ele olhou pra cima, falando para a coruja, que voava perto da casa da esquina, onde ele
ocupava a calçada.
- E o qual o problema no que eles
disseram? – a voz vinha da parte não iluminada da rua, e pertencia a um homem de passos lentos que dobrava a esquina e ia se aproximando.
Um tanto surpreso o mendigo tratou de baixar a cabeça, e olhar apenas com o canto de olho para o homem que estava em pé ao seu lado.
Um tanto surpreso o mendigo tratou de baixar a cabeça, e olhar apenas com o canto de olho para o homem que estava em pé ao seu lado.
A coruja então emitiu um som, que
lembrava um grito desesperado, surpreendendo os dois, e logo voou para longe
rapidamente.
- Elas não conseguem evitar. Não
é culpa delas! Eu acho que essa nem sabia direito o que fazer. – o
velho começou a levantar, bem devagar, ainda bastante desconfiado. Estava
acostumado a ser considerado maluco, não esperava que qualquer um fosse ligar
pro que dizia. Mas aquele homem, agora estendia a mão para ajuda-lo, aquilo era
estranho. Era comum ser taxado como um louco qualquer, mas porque aquele homem
estava ali fazendo perguntas, e porque dar atenção a ele?
- Você está falando das corujas
não é? – o homem perguntou com um leve sorriso, instigando o velho senhor a
contar mais.
- Quem é você? – por mais que o
velho estivesse desconfiado, ele tinha vontade de começar uma conversa. Ele se apoiava nas
grades de ferro do muro da casa, se encolhia, mas tinha vontade de continuar
falando para um ouvinte, afinal o que teria demais em contar o que sabia? pensou por alguns instantes enquanto aguardava a resposta do homem.
- Sou só um curioso. Eu realmente
achei interessante o que o senhor disse. Eu nunca achei esses pássaros algo
ruim, mas muitas pessoas pensam o contrário, algumas tem medo, outras uma
admiração. Mas o senhor está tendo compaixão... – Ele usou as palavras
sabiamente, sempre com certo sorriso no rosto, mesmo que ele não fosse tão verdadeiro. Esperava que o velho realmente
lhe contasse uma boa história.
- Porque não sentamos ali,
naqueles bancos? – o homem convidou o velho, que já desistira de ir embora, e
assumia uma postura ainda desconfiada, porém condescendente.
Os dois atravessaram a rua, e
sentaram em um dos bancos da praça. A noite começava a esfriar. Mesmo ainda não
passando das 19:00 o movimento era bem pouco naquele momento, apenas um
pipoqueiro e seu carrinho ocupavam a pracinha junto a eles. O homem usava uma
camisa social com a gravata bem frouxa e carregava no braço seu paletó, e tão
logo se sentou tratou também de colocar sua mochila no chão ao seu lado. Nenhum deles eram tão velhos quanto aparentavam, os dois estavam desgastados pela própria vida, mas sob circunstancias evidentemente diferentes.
O velho se sentou e logo relaxou,
observando o comportamento de seu novo companheiro que agora lhe parecia só
mais um solitário como ele, alguém a procura de ouvir uma história para
distrair a mente. Alguém disposto a dar ouvidos até mesmo a um mendigo, possivelmente maluco.
- Mas o senhor ia dizendo? –
perguntou o homem de maneira simpática, mas olhando para cima, para o céu que
se mostrava sem nuvem alguma e bastante estrelado.
- Todo mundo morre de alguma
coisa, é claro e todo mundo sabe disso! – o velho falou como que retomando o
assunto a partir da fala da moça. – Mas essas “alguma coisa” são importantes.
Tem muitos tipos de morte. Você pode conhecer ela de várias formas, seja por
algum acidente, doenças, de maneira natural, por uma injustiça ou até mesmo por
justiça... Mas e quando ela vem da loucura? Da dor? E da tristeza?
O homem tratou de olhar o velho,
que por sua vez, mirava a casa, do outro lado da rua, enquanto falava de forma
compassada. Ele agora estava intrigado com a fala do senhor, com a sua postura
sobre o assunto, tudo que era dito tinha sentido e até mesmo uma profundidade
que ele não esperava de imediato. O velho havia se transformado, seu tom era
outro, até mesmo sua postura tímida tinha sumido. A conversa caminhava para uma
direção que ele não esperava de forma alguma. Limitou-se então apenas em confirmar com um aceno de cabeça.
- Eu não sei no que você acredita.
– continuou o senhor após alguns segundos esperando que seu interlocutor assimilasse
tudo o que era dito - Isso não importa muito agora. Mas você tem que concordar
que a vida é importante. A morte é mesmo um fato. Mas não é sempre que ela é
inevitável. Existem pessoas que se afundam muito em pensamentos, e em toda a
sua própria loucura e tristeza. Ai chega um momento que ficamos sem opções, e
por causa da dor, de continuar se debatendo enquanto afunda mais e mais, a
morte se apresenta. Mas ela vem apenas porque foi convocada. No fundo ela
sempre esteve ali, você sempre viu, ela apenas nunca tinha vindo conversar com
você, mas com certeza já havia a conhecido. Não é como se não existissem outras
coisas. Essa é questão, você está cansado e com dor, precisa de algo para se
curar. Não está longe de ajuda. Qualquer coisa é bem-vinda, você está afundando
porque não sabe mais em que direção ir. Se ao menos pudesse receber uma luz, ou
ouvir alguma voz que pudesse seguir. Ser guiado para longe da escuridão.
O homem estava completamente
envolvido pelas palavras do velho, que vez por outra respirava profundamente e
olhava ao redor, enquanto continuava a falar.
- Agora imagine que você sabe de
tudo isso,que você conhece essa situação por ter vivido ela, e vê alguém nesse mesmo estado. O que fazer?
- Oferecer ajuda?
- Qualquer um faria com certeza.
- Mas e a coruja? O que
significa? O que o senhor está querendo dizer?
- Como eu disse não importa o que
você acredita. Não estou pedindo pra acreditar no que eu vou dizer, mas, existe
uma velha história, e não me pergunte de onde ela surgiu, eu só sei que ela é antiga, e já foi passada por muitas gerações. Bem, existiram algumas pobres almas que viveram toda a dor,
desespero e loucura que já falamos, e em certo ponto da vida, estavam sem mais qualquer esperança e encontraram na morte uma possível solução
para acabar com todo seu sofrimento. Mas quando tomaram então sua última escolha em
vida, elas se arrependeram. Dizem que o tempo passa muito devagar quando se
está morrendo. O que você faria se desse de frente com um erro sem conserto? Eles
fizeram uma última prece, e suplicaram por uma segunda chance. Mas como eu
disse, a morte havia sido convocada por eles, não havia mais como mudar isso. Mas aquilo era inédito e por conta disso uma exceção foi aberta. Ela então guiou cada um para um plano fora da existência, e lá foram reunidos e levados para um encontro, onde as forças primordiais da vida e da morte se mostraram, e uma espécie de tribunal foi montado. Outras forças que atuam no mundo foram chamadas, e pediram para que os suicidas explicassem o que havia acontecido. Eles receberam a chance de falar sobre todo o peso que carregavam no coração, e como estavam perdidos quando se viram diante daquela infeliz decisão. Todos tinham em comum em suas histórias o profundo arrependimento, e a suplica por uma chance de ser diferente. Foi explicado a eles que não existia como voltarem ao mundo dos vivos, pelo menos não em seus antigos corpos. E com isso uma condição foi criada. Eles seriam transformados em animais, e com isso
poderiam permanecer vivos, e em troca teriam que salvar aqueles que acabassem como
eles.
- Transformados então em corujas
eles tem que salvar alguém para então se salvar...
- É uma forma de ver. O que dizem
é que essas almas transformadas, passaram a viajar pelo mundo. Elas podem sentir e de alguma
forma ver o que cada um carrega em sua alma, mesmo aquilo escondido na escuridão dentro de cada um. E quando encontram alguém que está
prestes a fazer a escolha, elas vivenciam nelas mesmas o desespero do outro e
revivem ainda seu pior momento, a fim de relembrar o pacto. Elas tentam
desesperadamente avisar, gritar ao seu jeito, fazer algo para interromper a pobre pessoa. Essa passou a ser sua missão nesse mundo. É isso que as corujas fazem.
- Faz algum sentido. Como o
senhor disse, as vezes só buscamos alguma espécie de sinal, algo que possa
servir de farol para sair desse estado desesperador...
O homem estava um tanto
impressionado pela história contada pelo senhor. Ele refletiu por alguns
instantes naquela situação, e no quão relevante tudo aquilo era, e mais ainda para ele. Quem poderia imaginar que algo tão profundo e legal poderia sair daquele daquela situação totalmente incomum.
Ele interrompeu suas reflexões
apenas quando ouviu uma sirene muito alta, vinda da ambulância que estacionava
em frente à casa onde antes o velho estivera ocupando a calçada. Ficou surpreso
quando viu paramédicos descendo e conversando com uma senhora em frente a porta. Eté então ele não tinha notado que havia movimento ali.
- Você tem algum dinheiro para
comprar pipoca? – o velho mais uma vez chamava sua atenção.
- Como?
- Eu te contei o que você queria,
em agradecimento você podia comprar pipocas.
- Sim claro. Mas eu não gosto
muito, compro para o senhor.
Ele levantou e foi comprar, após alguns
momentos, entregou ao senhor dois sacos de pipoca. O velho agradeceu e começou
a comer. Ao observar as mãos do senhor com mais atenção ele notou que havia uma
tatuagem de coruja no pulso dele. Um tanto apagada pelo tempo, mas um detalhe
interessante, pensou consigo. Observou mais uma vez a casa, e viu que se
aglomeravam algumas pessoas, curiosos, para saber o que havia acontecido. Logo
viu uma maca com alguém sendo carregado para fora da casa, e logo atrás a
senhora de novo trancando a porta e subindo na ambulância junto dos médicos. O
som da sirene ecoou de novo, dessa vez se afastando. As pessoas continuavam em
frente à casa.
Ele decidiu que deveria ir embora para sua casa.
Ele decidiu que deveria ir embora para sua casa.
- Como é o seu nome? – perguntou
ao velho que se ocupava apenas comendo.
- Todo mundo me chama de Coruja.
- Bem, pois eu agradeço por
compartilhar seus pensamentos e a historia Coruja, já vou indo. Muito obrigado, e Boa noite!
Recolheu suas coisas, e com um
sorriso ainda, começou a atravessar a rua de volta a esquina, tudo aquilo era
mesmo muito curioso. Ao chegar próximo as pessoas, não se conteve e teve que
perguntar o que havia acontecido.
- O cara tentou se matar. - teve sua resposta dada por um jovem que talvez não tivesse nem 20 anos.
Ele ainda ouviu os outros
completarem as informações, dizendo que a mãe do rapaz que morava na casa sozinho, havia vindo procurar por ele, e o encontrou desacordado no quarto e cheio de sangue nos braços, mas ela ligou para o socorro e ele foi
levado com vida para o hospital.
Bastante surpreso o homem desejou boa noite a todos e seguiu seu caminho, refletindo sobre todos os acontecimentos que tinham acontecido com ele durante aquele dia, em especial nos mais recentes. Ele ajeitou então a mochila nas costas e olhou para o céu mais uma vez. Sorriu prazerosamente e falou baixinho:
Bastante surpreso o homem desejou boa noite a todos e seguiu seu caminho, refletindo sobre todos os acontecimentos que tinham acontecido com ele durante aquele dia, em especial nos mais recentes. Ele ajeitou então a mochila nas costas e olhou para o céu mais uma vez. Sorriu prazerosamente e falou baixinho:
-Bom trabalho corujas, 2 em uma
noite
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